Documentar as situações de formação não é, ainda, uma prática muito usual, mas que, sem dúvida, tende a se difundir com o tempo. O Programa de Formação de Professores Alfabetizadores contará com esse tipo de curso: prevê programas que reunirão um conjunto de propostas que têm se mostrado produtivas no trabalho de formação e que, juntamente com este Guia, pretendem subsidiar os formadores que coordenarão os grupos de professores. A possibilidade de analisar coletivamente, muito mais do que as propostas, as intervenções que os formadores fazem ao coordenar um grupo e ao encaminhar as atividades de formação é algo que não se pode deixar de garantir nos grupos de formadores. O registro em vídeo de situações desse tipo é, portanto, um recurso valioso, pois permite torná-las objeto de estudo.
Como o uso desse tipo de material é ainda pouco freqüente, não contamos com relatos significativos a respeito.
O planejamento conjunto do trabalho
Planejar com os pares, especialmente os primeiros trabalhos de formação a serem realizados num determinado projeto, é uma opção necessária a quem valoriza a discussão com um interlocutor (ou vários) para compartilhar as dúvidas, as idéias, as dificuldades, as propostas.
Esse tipo de trabalho geralmente minimiza as inseguranças, potencializa os talentos pessoais e permite a ampliação do repertório de procedimentos dos formadores. É o que se pode verificar a seguir.
O momento em que mais aprendo é quando discuto a pauta de trabalho com os outros formadores. Escuto o que eles falam, comparo com minha prática e trago a ela novos elementos, que depois de testados e avaliados, permanecem ou não. Tinha preocupações sérias com a avaliação das simulações, que foram resolvidas conversando com a Regina Lico: ela propõe que os participantes façam auto-avaliação a partir de um roteiro preestabelecido. Não tínhamos a priori um roteiro desse tipo, que foi sendo progressivamente construído pelo grupo e, hoje, está incorporado à nossa pauta de trabalho.
Renata Violante
Maria Laura Petitinga Silva
Neste meu início de trabalho com o Programa Parâmetros em Ação, tive várias surpresas muito agradáveis. Antes de fazer o primeiro trabalho como formadora, fui convidada, juntamente com a Mara Póvoa, a "repassar a pauta" (termo muito utilizado entre os formadores) com outra formadora, que também já tinha experiência com o trabalho, a Cristiane Pelissari. Desta vez, o que fizemos foi analisar/estudar a pauta proposta para o encontro com os Coordenadores de Grupo de 1ª a 4ª séries para que pudéssemos nos apropriar das estratégias de formação ali explicitadas.
Fomos lendo/discutindo/questionando cada item da pauta e, com a ajuda da Cristiane, íamos tendo uma visão mais clara de como as expectativas de aprendizagem, propostas para os quatro dias do encontro, seriam alcançadas e qual seria nossa função nesse processo.
Digo que isso foi para mim uma surpresa porque, quase sempre que se é convidada para fazer um trabalho de formação, você faz algum contato com quem contrata, faz sua proposta de trabalho e pronto: parte para ação. Desta vez, tudo está sendo diferente, e o que mais tem me deixado motivada para o trabalho é a possibilidade de troca, que acontece de fato, entre os profissionais que fazem parte do Programa.
Percebo que os elementos básicos para o sucesso do trabalho são: a possibilidade de se pensar coletivamente o trabalho, de se manter uma discussão constante entre os pares, a disposição para acolher quem chega como alguém que vem para somar, o fato de a pauta não ser estática, mas estar em constante análise, e das mudanças feitas serem muito refletidas. Essas ações todas, juntas, fazem com que o trabalho realizado seja coerente com o que propomos aos coordenadores de grupo. Percebo que viver esta prática é primordial para o nosso trabalho: a credibilidade que conseguimos conquistar a cada Encontro de que participamos é fruto, também, desse nosso processo de viver um trabalho coletivo, no qual a nossa formação se dá, em grande medida, como fruto dessa interação – o que certamente acaba por se explicitar nas nossas ações.
Rosa Maria Monsanto Glória
Foram de extrema importância as orientações da Rosaura quando nos reunimos (Marcinha, Cristiane e eu) para discutir a pauta de trabalho do Encontro do Parâmetros em Ação, antes da nossa primeira atuação como formadoras. Além de nos informar e orientar, ela transmitiu uma grande confiança e acreditou que daríamos conta do trabalho. Isso fez diminuir o medo que sentíamos diante do novo e nos deu uma certa segurança para olhar a proposta e ver que realmente seríamos capazes.
Também foi importante coordenarmos grupos pela primeira vez, no mesmo Encontro. Discutíamos a pauta o tempo todo: na hora de dormir, de comer, nos momentos de folga. Isso foi bom porque, além de tirarmos as dúvidas, nos fortalecíamos para dar continuidade ao trabalho. Uma formadora já "veterana" não teria agüentado ficar conosco.
Rosalinda S. Ribeiro de Vasconcelos
Ao optarmos por trabalhar com o Programa Parâmetros em Ação, na Secretaria Municipal de Educação, garantimos que algumas discussões fossem comuns para toda a rede municipal de ensino. Isso favorece a construção da identidade da rede, que ainda é nova no Ensino Fundamental. Além disso, pensamos também na contribuição desse trabalho para o fortalecimento das ações dos coordenadores que estavam construindo o papel de formador de suas equipes, pois, ao mesmo tempo que o programa norteia suas ações, incentiva a busca de alternativas criativas para atender às necessidades específicas das equipes das escolas.
Rosa Maria Monsanto Glória
A realização do trabalho em parceria
Situação imprevista: uma hora antes do início do Encontro do Parâmetros em Ação, soubemos que havia apenas um espaço para o trabalho com o grupo de 68 formadores de 5ª a 8ª série. Tendo em vista o imprevisto, eu e a Marísia tivemos de refazer as pautas de trabalho para organizar uma atuação compartilhada. Isso não foi muito fácil, pois embora os conteúdos desenvolvidos nos grupos de cada segmento sejam os mesmos, cada um de nós personaliza a pauta, dando a ela características especiais que têm relação com a nossa vivência como formadores.
Resolvemos que deveríamos "dividir" a pauta e que cada uma de nós, como observadora, poderia fazer as intervenções que considerasse necessárias para complementar as intervenções da outra. Embora tivéssemos assumido esse combinado, senti que as coisas não foram muito fáceis para nós duas, pois o desejo de fazer o trabalho da melhor forma possível e atingir os objetivos, que neste momento ainda não eram da dupla, mas sim individuais, gerou um certo mal-estar. Após o primeiro dia de trabalho, resolvemos fazer uma avaliação para replanejar a pauta do dia seguinte, e alguns pontos foram levantados: alguns relacionados à atuação de cada uma de nós e outros, à forma que encontramos para "dividir" o trabalho. Percebemos que alguns procedimentos deveriam ser modificados: por exemplo, as questões que levavam ao levantamento de concepções prévias do grupo deveriam ser conduzidas pela mesma pessoa que registrava as falas. Chegamos à conclusão de que compartilhar não era dividir tarefas – embora soubéssemos disso teoricamente, era o que estava acontecendo e sabíamos que a atitude que tínhamos assumido estava relacionada aos nossos desejos de coordenar individualmente o grupo.
Resolvemos então replanejar o segundo dia, cientes de que não poderíamos mudar aquela situação, e escolhendo o que cada uma de nós gostaria de desenvolver com o grupo. Essa avaliação, explicitando os nossos limites naquele momento e as nossas expectativas, fez com que o trabalho, a partir de então, transcorresse mais tranqüilo.
Considero que o que facilitou nossa integração foi a empatia existente entre nós duas. Algum tempo antes, havíamos nos conhecido num dos Encontros do Programa Parâmetros em Ação, no qual "trocamos figurinhas" e descobrimos que tínhamos muita coisa em comum (ficamos no mesmo quarto de hotel, inclusive). Essa situação anterior de troca foi importante para a reorganização do nosso trabalho em parceria. Considerei que outro aspecto interessante nessa situação foi a possibilidade de cada uma de nós analisar os procedimentos utilizados pela outra, o que contribuiu para que eu e a Marísia fizéssemos uma reflexão muito interessante sobre a nossa atuação como formadoras. Acredito que uma coordenação compartilhada deva ser preparada com muito mais tempo do que dispusemos nessa experiência, para que os dois coordenadores do grupo possam amadurecer essa idéia de trabalhar de fato juntos e se preparar adequadamente para a tarefa. Considero que uma coordenação a dois deva acontecer a partir de necessidades identificadas pelos dois formadores, de forma que um ou outro possa complementar e aprofundar aspectos importantes para a formação dos professores. Se pensada e planejada com antecedência, a coordenação compartilhada enriquece o trabalho e pode atender muito melhor às necessidades específicas do grupo.
Regina Lico
Inicialmente, passei pela experiência de ser "visitada" por uma colega formadora e, em uma outra oportunidade, fui eu a "visitante".
Na primeira situação, a Sueli Furlan, que assumia o papel de coordenadora geral no Encontro do Parâmetros em Ação, participou do grupo que eu coordenava. Foi muito interessante o que aconteceu: o grupo acabou elegendo nós duas como coordenadoras.
Em muitos momentos, ela participou dos trabalhos complementando e aprofundando pontos importantes da discussão. Como, naquela época, ela tinha uma visão mais ampla do que a minha em relação ao Programa, pôde desencadear e aprofundar algumas questões fundamentais para o
enriquecimento dos trabalhos. Além disso, ela participou das discussões do grupo, complementando a minha coordenação e, no momento das simulações, assumiu o grupo que trabalhou com uma atividade de Geografia – área de conhecimento na qual é especialista – e pôde, então, explorar com mais aprofundamento a proposta da área.
Na segunda situação, mais recente, assumi eu o papel de coordenadora geral no Encontro e decidi fazer um estágio nos diferentes segmentos. Comecei participando do grupo da Renata Violante: entrei quando ela fazia o levantamento das expectativas do grupo em relação aos trabalhos e, nesse momento, fiquei apenas como observadora. Após o Encontro, eu e ela nos reunimos e fizemos uma avaliação da atividade que eu acompanhei. Ela estava muito preocupada com o tempo gasto, que havia extrapolado o planejado, e resolveu fazer uma reflexão a respeito disso, para compartilhar com os futuros formadores a sua preocupação. No segundo dia, não pude participar do grupo desde o início, mas a Renata disse que foi interessante ter repensado a pauta após a avaliação e que os resultados tinham sido muito bons.
Participando do grupo novamente, no dia seguinte, surgiu uma questão a respeito da concepção que fundamentou a construção dos Parâmetros Curriculares. A Renata então me apresentou como co-autora do documento de Ética e pediu que eu falasse sobre o assunto. Avaliando posteriormente a minha intervenção, ela considerou que os esclarecimentos feitos por mim foram importantes para o andamento dos trabalhos.
Nessas duas situações em que ocupei posições diferentes no grupo, pude observar o quanto uma coordenação compartilhada pode enriquecer o trabalho de formação.
Regina Lico
Recentemente, eu e Regina Lico coordenamos um grupo em conjunto. Alguns aspectos foram explicitados como fundamentais pelo grupo, conforme se segue.
Complementaridade – Pudemos partilhar informações que cada uma de nós tinha a respeito do trabalho e, com isso, nos atualizamos e conversamos sobre diferentes modos de compreender um mesmo trabalho.
Complementaridade de conhecimentos – Os diferentes conhecimentos prévios de cada uma de nós foi fundamental para enriquecer a discussão.
Ampliação dos nossos próprios conhecimentos – Tanto eu como Regina passamos a conhecer o trabalho uma da outra, e isso foi fundamental para, daí por diante, discutir nossas pautas de trabalho, trocar materiais, fontes bibliográficas etc. Muitos educadores elogiaram o modo como partilhamos com eles os saberes, dizendo que não tínhamos aquele tipo de arrogância própria, muitas vezes, de quem julga dominar muito bem um determinado conhecimento.
Sueli Furlan
A reflexão por escrito
É certo que a linguagem tem diferentes dimensões: "possibilita ao homem representar a realidade física e social e, desde o momento em que é aprendida, conserva um vínculo muito estreito com o pensamento. Possibilita não só a representação e a regulação do pensamento e da ação, próprios e alheios, mas também comunicar idéias, pensamentos e intenções de diversas naturezas e, desse modo, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais anteriormente
inexistentes".15 Mas é certo também que o domínio da linguagem não é uma conquista generalizada da população, inclusive dos educadores. Se considerarmos as múltiplas dimensões da linguagem, podemos afirmar que o uso que dela se faz nos meios educacionais, de um modo geral, é ainda muito restrito, especialmente quando se trata da leitura e da escrita.
Na verdade, a questão nem é que os educadores lêem e escrevem pouco: a questão é que o tipo de leitura e de escrita que habitualmente fazem não é aquele que permite o desenvolvimento das formas mais elaboradas de pensamento – o que alguns especialistas chamam de "pensamento letrado".16 O desafio colocado aos educadores é este, portanto: desenvolver as capacidades de uso da linguagem que favoreçam a ampliação do nível de letramento e de capacidades intelectuais mais requintadas.
O uso da linguagem escrita é privilegiado nesse sentido. O ato de escrever sobre a experiência vivida, sobre a prática profissional, sobre as dúvidas e os dilemas enfrentados, sobre o processo pessoal de aprendizagem é uma tarefa complexa, pois exige ao mesmo tempo tematizar a prática – torná-la objeto de reflexão – e documentar essa reflexão por escrito. Essa escrita não é necessariamente prazerosa (principalmente quando nela nos iniciamos), mas é preciso praticá-la
cotidianamente. A reflexão por escrito é um dos mais valiosos instrumentos para aprendermos sobre quem somos nós – pessoal e profissionalmente – e sobre a nossa prática como educadores,
porque favorece a tematização do trabalho realizado e do processo de aprendizagem, o desenvolvimento da competência de escrita, a sistematização dos saberes adquiridos e o uso da escrita como ferramenta para o crescimento profissional. É como diz Clarice Lispector: "Escrevo porque à medida que escrevo vou me entendendo e entendendo o que quero dizer, entendo o que posso fazer. Escrevo porque sinto necessidade de aprofundar as coisas, de vê-las como realmente são…"
analisadas ao serem escritas e descritas de outra perspectiva, vêem-se com uma "luz diferente". É a idéia do "descentramento", conforme postulava Bertold Brecht: a personagem que descreve a experiência vivida dissocia-se da personagem cuja experiência se narra – o eu que escreve fala do eu que agiu há pouco; isto é, o eu que escreve é capaz de ver a si mesmo em perspectiva, numa espécie de negociação a três: eu narrador-eu narrado-realidade.
Walter Takemoto
É preciso manter o braço aquecido: o insaciável e abrasivo hábito de escrever. Para essas escritas, tentamos alcançar na reflexão o miolo propulsor, aquele que aquece e impulsiona idéias e novas possibilidades de trabalho. O esforço exigido para essa tarefa ganha significação porque está articulado a situações emocionais e sociais; porque há um interesse pelo conhecimento por si mesmo;porque há um compromisso com o grupo de formadores (do Parâmetros emAção) de agregar contribuições para o Programa; porque há um compromissopolítico com o aprimoramento da formação dos professores do país.
Beatriz Bontempi Gouveia
Walter Takemoto
Renata Violante
O Projeto Formar é um projeto que se apóia na prática da leitura e da escrita e cuja dinâmica se concretiza no estudo em grupo, na associação entre teoria e prática e no trabalho interdisciplinar, estabelecendo um diálogo permanente em rede entre professores formadores e professores em formação. Esse diálogo ocorre em reuniões periódicas e também a distância, via correspondência escrita: os textos aqui transcritos são fruto dessa correspondência – o primeiro é composto de trechos dos relatórios escritos pelos professores aos formadores e os demais são devolutivas dos formadores aos professores, sobre textos escritos por eles.
Trabalhar a formação de professores a partir de um projeto tem se mostrado, sem dúvida nenhuma, muito eficiente. No entanto, devemos pensar que não se trata apenas de uma mudança de formato, mas principalmente de concepção: a idéia principal é favorecer o desenvolvimento de competências profissionais.
Isso é muito diferente do que vínhamos fazendo até então: abordar a maior quantidade possível de conteúdos considerados necessários à formação do professor – com um foco, portanto, nas áreas de conhecimento.
Desde o início, gostei da idéia de trabalhar em torno de um projeto de formação, e hoje avalio que seus efeitos são significativamente melhores. No entanto, em relação a esse modelo, continuo a me colocar como uma boa aprendiz que ainda comete alguns equívocos, mas ao mesmo tempo reflete sobre eles para poder superá-los.
Débora Rana
A correspondência
vantagem adicional de poder ocorrer a distância, a qualquer distância. É evidente que a comunicação por escrito não substitui a relação interpessoal direta, mas é um complemento fundamental que não pode ser desprezado.
A seguir, há exemplos de correspondência de diferentes tipos: os quatro textos iniciais são parte da correspondência do o primeiro texto é composto de fragmentos de relatórios de grupos de professores endereçados a seus formadores; o segundo é uma devolutiva da formadora para o grupo, comentando uma síntese a ela enviada para apreciação; o terceiro é um comentário sobre o registro escrito de uma reunião de formação e o quarto é uma proposta de roteiro para discussão, a ser documentada por escrito. Em seguida, está transcrita uma seqüência de três cartas escritas por uma formadora a seu grupo de professores.
[…] dessa vez é análise por cima de análise. Os alunos analisaram as propagandas feitas por outros. Nós fizemos análises dessas análises e a professora formadora vai analisar todo o nosso trabalho. É preciso que se tenha capacidade de ouvir e analisar atentamente o que o outro quer dizer, para que discutindo, refletindo se chegue a uma conclusão. E para que isso aconteça é necessário que não se tenha medo ou vergonha de expor o pensamento, estando, no entanto, aberto para mudar, crescer e aprender cada vez mais.
Além disso, considero extremamente valiosa a troca de experiência entre os educadores. Há uma troca de conhecimentos, desencadeando assim um espaço para perguntas, respostas, dúvidas e reflexões sobre o trabalho docente.
Importante! A professora não deu respostas prontas. Sempre incentivava o aluno a descobrir e comparar respostas.
Devemos partir do que o aluno já sabe, e não ficar repetindo conceitos que não levam à aprendizagem. Qual seria a melhor maneira de acertar? Responderam-me que deveriam ler o assunto e chegar a uma conclusão.
Como já dissemos anteriormente, estamos caminhando para a mudança da avaliação. Ao recebermos a proposta da atividade deste mês e ao lermos o texto: Avaliação: "prova" ou diálogo?, fizemos uma breve análise em relação ao nosso processo avaliativo e chegamos à conclusão de que, ao aplicarmos aulas de reforço, ao estarmos acompanhando o aprendizado diário de nossos alunos, ao voltarmos a um assunto, quando este não foi bem compreendido pela turma, estamos, sim, promovendo uma mudança que, até então, estava sendo despercebida e, ao entrarmos em contato com o texto, podemos refletir melhor.
Sobre síntese: comentários da professora formadora
O Grupo parece ter apreendido a idéia de que, numa síntese, fazemos sempre referência ao texto ou aos textos lidos, isto é, aos textos que estão sendo sintetizados. É um texto novo, criado por quem faz a síntese, mas não
é independente. Enfim, é uma síntese de outro texto. Vocês fizeram bem, então, em fazer referência aos autores lidos. No entanto, faço duas considerações: vocês incluem na síntese um exemplo dado pelo grupo e findam com um parágrafo que aponta o que devem fazer. Aí já não estão mais sintetizando as idéias das autoras. Estão inserindo contribuições do próprio grupo.
Não estou dizendo que o grupo não deva dar contribuições. De jeito nenhum. O que estou dizendo é que, segundo entendo, síntese é síntese. É um texto que está sempre apresentando as idéias de outros. E não é tarefa fácil identificar em uma leitura as idéias principais e saber reproduzir com as próprias palavras, em um texto novo, o que elas significam. No mínimo, é preciso entender bem o texto. Do contrário, a gente acaba copiando do original ou dizendo coisas que não condizem com o pensamento do autor.
Vou selecionar de sua síntese algumas palavras ou frases fundamentais, de acordo com a leitura que faço das idéias das autoras. Eis algumas delas: "construção de conhecimentos significativos… partindo da prática… integrando disciplinas… estratégias didáticas definidas para obter um produto final… tarefas partilhadas com os alunos.. vencer desafios… atividade prazerosa e significativa…" Enfim, o que essas palavras dizem é que o trabalho com projetos produz aprendizagem significativa, é interdisciplinar, é coletivo, garante a participação dos alunos, constrói conhecimentos, oferece desafios, é prático, dá prazer, define algo concreto como meta final. Muito bem. Isso é verdade.
Mas qual é o significado real dessas palavras? Que tipo de postura pedagógica elas contestam? Como o grupo entendeu essas palavras e frases? Uma forma de esclarecer melhor esses sentidos é olhar pelo lado do avesso, isto é, lembrar algumas práticas pedagógicas que são o contrário disso. Vamos fazer esse exercício?
O contrário de "construção de conhecimento" é "transmissão de informações ou conteúdos". O contrário de "significativo" é "mecânico". O contrário de "partir da prática" é "tratar de assuntos alheios à experiência dos alunos".
O contrário de "integrar disciplinas" é "partir, dividir, fragmentar os conteúdos, como se um não tivesse nada a ver com o outro". O contrário de "associar as estratégias de aula (ou as atividades de aula, ou as situações de aprendizagem) àquilo que a classe quer produzir no final" é "fazer um trabalho dispersivo, como se cada atividade fosse isolada e autônoma, sem a preocupação de encaminhar todas para uma meta bem definida e concreta". O contrário de "vencer desafios" é "acumular desânimo". O contrário de "prazer" é "tédio, desinteresse…". Uma coisa é o contrário da outra. É preciso ver, na prática, o que significa assumir o trabalho com projetos.
Sobre registros: resposta da professora formadora a um grupo de estudo
Seu relato tem a forma e o estilo de uma ata, isto é, registra o que fizeram e as decisões que tomaram, mas não mostra como foram as discussões que levaram àquelas decisões nem o que foi debatido durante as atividades.
Por exemplo: lendo o relato da segunda reunião, fico sabendo que vocês realizaram uma pesquisa, consultaram fontes, falaram sobre preferências individuais etc. Mas o que me interessa de fato é saber como foi o debate durante a chamada pesquisa, o que vocês entendem por pesquisa, o que pesquisaram e o que descobriram, que idéias circularam durante esse trabalho, que argumentos diferentes foram confrontados etc., etc., etc. Enfim, quero conhecer o processo de discussão, muito mais do que os eventos da reunião.
Em outras palavras, vai ser mais elucidativo ter informações sobre o que vocês pensaram, em que concordaram, em que discordaram, como chegaram a um consenso, onde permaneceu o dissenso, quais foram os argumentos apresentados, quais os confronto de idéias etc. Gostaria que vocês saíssem das generalidades e chegassem ao concreto. Ex.: em vez de dizer: "Relemos alguns trechos que achamos mais importantes…" seria melhor dizer quais os textos e por que acharam esses textos mais importantes. […] O grupo só recebeu as informações, sem discuti-las? De fato, não encontrei nenhuma discussão sobre os dados levantados dos questionários, sobre os textos lidos ou sobre qualquer outra idéia que tenha porventura chegado ao grupo. Isso dá margem a que eu, como leitora, fique carecendo de esclarecimentos.
Roteiro para o trabalho em grupo, tendo em vista a elaboração de relatório de estudo
Com vista a sistematizar o trabalho dos grupos de estudo, estamos enviando o seguinte roteiro, que tem o objetivo de contribuir para uma melhor comunicação entre os grupos de estudo e os professores formadores:
1. Estudo individual do texto
Cada membro do grupo deverá ler o texto individualmente antes das reuniões do seu grupo, observando os seguintes procedimentos:
a) destacar no texto o que julgar serem as principais idéias: grifar a lápis ou usar marcador de texto;
b) escrever nas margens do texto observações pessoais sobre os pontos que achar relevantes;
c) anotar, também na margem do texto, eventuais perguntas e dúvidas.
2. Debate sobre o texto
a) cada membro deve apresentar ao grupo de estudo as principais idéias já destacadas na leitura individual, suas observações pessoais e suas perguntas e dúvidas;
b) dá-se início ao debate, observando-se os procedimentos de praxe, de maneira a permitir que todos possam manifestar-se: inscrição de falantes, limite de tempo para cada fala etc.;
c) um membro do grupo deverá anotar os pontos principais de cada fala. Essas anotações serão imprescindíveis para a elaboração do relatório. Obs.: de maneira geral, ainda que não haja uma aplicação imediata do texto em discussão para as práticas em sala de aula, os professores participantes do Projeto Formar deverão adotar como prática permanente o registro escrito de toda e qualquer ocorrência em sala de aula que possa ter relação com os temas de interesse do Projeto. Essa prática é imprescindível na formação do professor pesquisador tal como entendemos no Projeto.
3. O Relatório
a) Identificação do grupo
- Número do grupo.
- Título do texto estudado.
- Data.
- Nome do coordenador.
- Município.
- Endereço permanente para correspondência e outros meios (fax, Internet, telefone).
b) Forma do relatório
- Síntese do texto estudado: resumo das idéias principais desenvolvidas pelo autor (de 15 a 20 linhas – aproximadamente 250 palavras).
- Comentários sobre o texto: observações, dúvidas, perguntas, críticas, se for o caso.
- Relato de práticas em sala de aula relacionadas ao texto em estudo.
- Conclusões.
Cartas de uma formadora a seu grupo
Carta 1
30 de março de 2000
Caros(as) colegas,
No último dia 23, tivemos nosso primeiro encontro. Mais uma vez, pude confirmar o movimento de inquietações, dúvidas e o desejo de aprender que invade as escolas da rede. Penso que isso, apesar de desconfortável, às vezes, é muito enriquecedor para todos os envolvidos: diretores, professores, orientadores, pais e alunos. Revela que, cada um à sua maneira, tem se preocupado com a qualidade do ensino, questionado algumas práticas. Colocar em questão é o "pontapé" inicial, para conseguir transformar.
Uma autora, que da memória me foge o nome, diz que o novo ameaça porque, em alguma medida, impõe a tarefa, nada fácil, de rever-se e que toda mudança nasce do casamento entre a necessidade e o desejo (e isso parece que vocês têm de sobra). Ela continua dizendo algo que considero muito interessante – que é falsa a idéia de que mudar "dá trabalho" e, ao contrário, resistir às mudanças não requer esforço algum. Falsa porque manter tudo como está também implica um movimento,mesmo que no sentido inverso, o de inibir a mudança.
Bom, gostaria, agora, de me dedicar às observações das duas colegas do nosso grupo que cuidaram da memória do primeiro encontro e dos registros sobre as preocupações atuais e as expectativas quanto à nossa Oficina de Alfabetização. Para esta primeira carta, elenquei algumas questões que, embora tenham sido colocadas de forma individual, poderão, acredito eu, colaborar um pouco com o processo de formação de todos.
Gostaria que esta Oficina abordasse questões ligadas ao LETRAMENTO e à organização de Projetos de Leitura e Escrita que privilegiem a função social da escrita.
A compreensão atual sobre a aprendizagem da língua escrita nos mostra que, para a criança aprender a escrever com competência, terá de lidar com dois processos de aprendizagem ao mesmo tempo:
• sobre a natureza do sistema de escrita – o que implica descobrir o que a escrita representa e de que forma;
• sobre as características da linguagem que se usa para escrever – o que implica aprender os usos as formas do discurso escrito.
Podemos dizer que a evolução das crianças em relação à compreensão do sistema alfabético de escrita segue uma seqüência relativamente comum a elas (representada pelas hipóteses de escrita, que elaboram quando ainda não se alfabetizaram). Já sobre a compreensão dos usos sociais da escrita, não se pode afirmar o mesmo: a evolução é mais variável e depende da quantidade, da qualidade e da freqüência da experiência com esses usos.
A escola é responsável por proporcionar essas duas aprendizagens e o ideal é que o professor garanta o máximo de equilíbrio entre as atividades de reflexão sobre o sistema alfabético de escrita e as atividades de uso significativo da linguagem, de letramento.
Especificamente nesta oficina, optamos (refiro-me aqui ao grupo de profissionais responsável pela escolha dos conteúdos) por dar maior ênfase à questão da aquisição do sistema alfabético. Não porque acreditamos que a conquista da escrita garanta, por si só, aos alunos a possibilidade de compreender e produzir textos, mas porque, diante do triste quadro educacional que se escancara aos nossos olhos, acreditamos, tal como defendem os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, que a "capacidade de decifrar o escrito é não só condição para leitura independente, como também um verdadeiro rito de passagem, um saber de grande valor social". Um saber ao qual os alunos têm direito, e que nos cabe garantir.
Sobre os Projetos, vamos discutir mais adiante, quando formos tratar da gestão do tempo didático.
Como trabalhar com a heterogeneidade da classe?
Atenção à diversidade parece ser o maior desafio das escolas nestes tempos em que vivemos.Teremos de aprender a lidar com ela nas salas de aula e não buscar a impossível homogeneidade.Colocar todas as crianças que fracassaram numa mesma sala de aula deve ser uma rara exceção e não uma regra do nosso sistema educacional. Ainda mais porque, quando fazemos isso, também estamos dizendo que fracassamos frente à diversidade.
Em nossos próximos encontros, discutiremos algumas possibilidades de trabalhar com a heterogeneidade na sala de aula. Espero que isso possa de fato colaborar com a prática de cada um.
Nesta oficina, especificamente, não vamos trabalhar com essa área, mas gostaria de deixar uma dica que me foi muito útil para melhorar minha atuação, enquanto professora. Assim como as crianças têm hipóteses a respeito da escrita, elas também as têm a respeito dos números: desde muito cedo, mesmo não sabendo ainda ler e grafar números, muitas sabem, por exemplo, que os números com vários algarismos são maiores que aqueles com menos. Muitas imaginam também que, se para ler 120 se diz cento e vinte, para escrever, se faz 10020.Vale a pena estarmos atentos! Um livro interessante para aprofundar esse assunto é – Didática da matemática – Reflexões psicopedagógicas, organizado por Cecília Parra e Irma Saiz, da Editora ARTMED. O capítulo 5, intitulado "O sistema de numeração: um problema didático" é bastante interessante. Um grande abraço a todos e bom trabalho
Carta 2
• os alunos tenham de colocar em jogo tudo o que sabem e pensam sobre o conteúdo que se quer ensinar;
• os alunos tenham problemas a resolver e decisões a tomar em funçãodo que se propõem a produzir;
• a organização da tarefa pelo professor garanta a máxima circulação de informação possível;
• conteúdo trabalhado mantenha suas características de objeto so ciocultural real, sem se transformar em objeto escolar vazio de significado social.
Garantir essas condições, sempre que possível, é fundamental ao planejar as atividades.
"Esse menino escreve tudo grudado, será que não vê que não é assim que se escreve?"
Dificilmente um professor de séries iniciais escapa dessa pergunta. Pensando numa resposta, diria que, com certeza, o menino não vê.
Aquilo que, aos olhos de um escritor competente é óbvio, aos olhos de um aprendiz não o é. Identificar unidades de escrita não é uma tarefa simples para as crianças que estão se alfabetizando. Escrever grudado – assim como as hipóteses que as crianças têm sobre o sistema de escrita – não é um erro banal e sim um erro, por assim dizer, necessário. Sendo assim, precisamos propor situações em que os alunos possam refletir sobre esse aspecto da nossa língua. Deixo aqui algumas sugestões:
• Permitir que as crianças tenham contatos freqüentes com textos escritos (curtos, longos/complexos, simples), pois não é a fala que dá pistas da separação entre as unidades de escrita, é o material gráfico que possibilita isso.
• Oferecer um texto escrito (uma parlenda, o refrão de uma música conhecida, uma poesia curta) sem separação entre as palavras e pedir que as crianças marquem as separações ou que recortem o texto para depois colá-lo, segmentado, numa folha de papel.Também se pode apresentar um texto com as unidades separadas inadequadamente para que elas tenham de acertá-lo para ficar "como estava no livro".
tendo efeito).
• Propor situações de escrita em duplas, em que uma criança escreve e a outra dita um texto já conhecido. A criança que escreve deve ser aquela que tem menos conhecimento sobre a segmentação do texto, para que a que dita faça observações a esse respeito para ela.
Obs.: usei como fonte de consulta para essas sugestões dois livros cuja leitura eu recomendo: nas questões tratadas inicialmente, O diálogo entre o ensino e a aprendizagem, de Telma Weisz (Editora Ática, 1999) e, nas propostas acima relacionadas, Aprendendo a escrever, de Ana Teberosky (Editora Ática, 1992).
Um grande abraço
Cristiane Pelissari
Carta 3
24 de abril de 2000
Caros(as) colegas,
Na carta de hoje, tratarei de alguns aspectos relacionados à tão conhecida Reunião de Pais e Mestres. Esse tema foi sugerido para aprofundamento num dos registros de memória dos encontros e, como não teremos tempo para discuti-lo no grande grupo, julguei bastante útil tratar um pouco disso e fazer sugestões de aproximação entre pais e escola.
Freqüentemente, ouvimos os pais cobrando, por exemplo, o uso da cartilha ou dizendo que "escola é lugar de aprender e não de ficar brincando", ou ainda que "a professora dá pouca lição de casa" Essas e tantas outras cobranças podem ser fruto de uma visão estereotipada da educação escolar.Visão essa que traz consigo a referência de escola que esses pais tiveram ou que, se não puderam ter, ouviram dizer e incorporaram as suas representações do que é uma boa escola.
Lidar com cobranças desse tipo e mesmo assim conseguir estabelecer um diálogo construtivo é uma habilidade que nós, educadores, precisamos desenvolver. Informar e envolver os pais é, sem dúvida, uma competência.
Acreditando nisso, fiz uma relação de dicas que podem colaborar para o desenvolvimento dessa competência, baseada no livro Dez novas competências para ensinar, de Philippe Perrenoud, da Editora Artes Médicas.
• Exercitar a atitude de se colocar no lugar dos pais, considerando a visão estereotipada de educação que podem ter desenvolvido.
• Estar atento ao fato de que uma discordância dos pais pode ser apenas a manifestação de uma falta de conhecimento deles. É importante informá-los sobre o que e como nos propomos a trabalhar com seus filhos e oferecer mostras concretas da evolução das crianças.
• Organizar reuniões com momentos gerais e garantir outros que atendam às suas preocupações mais particulares, como, por exemplo: "Como ajudar meu filho durante a lição de casa?", "O que fazer com tantos erros de ortografia?", "Meu filho não aprende. O que posso fazer para ajudar?".
• Explicitar sempre o objetivo da reunião, os assuntos previstos e deixar a porta aberta a outros itens que sejam de interesse dos pais. Um espaço para perguntas e debates é sempre importante na pauta de reunião.
• Nos momentos de discussão, cuidar para não abusar de uma atitude defensiva, impedindo a busca de acordos e negociações, pois, algumas vezes, mesmo que sem consciência disso, abrimos um debate com a intenção de nada ouvir, de nada mudar.
• O item anterior não elimina a necessidade de defender as próprias convicções, portanto, é importante desenvolver a habilidade de julgar o que é negociável na comunicação entre pais e escola.
• Convidar os pais que quiserem e puderem para dar aulas para os alunos sobre algum tema que dominem (cuidar de plantas, construir coisas, fazer receitas, cuidar de animais).
• Convidar os pais para uma reunião de confraternização, para a qual os alunos preparem um lanche, um bolo, uma pipoca.
• Fazer entrevistas com os pais.
• Criar um horário fixo na escola (quinzenal ou mensalmente) para os pais contarem histórias aos filhos ou vice-versa.
• Trabalhar algum projeto que preveja, no final, uma apresentação aos pais (independente de data especial). Estas são apenas sugestões para que vocês possam criar novas possibilidades de investir na qualidade da relação pais-escola. Um grande abraço! Cristiane Pelissari
Comunicação pela Internet
A Internet oferece múltiplas possibilidades, para muitos surpreendentes e inimagináveis, como pesquisa a textos publicados no mundo todo, obtenção de dados e informações em sites de instituições variadas, visitas a museus e bibliotecas, além de permitir a conversa com pessoas de diversas localidades em tempo real, trocando informações, idéias, opiniões e experiências, descobrindo diferenças e semelhanças do ponto de vista cultural. E tem ainda a vantagem do menor tempo e do menor custo para se obter informações. Uma das grandes vantagens da comunicação via Internet é a interatividade: o computador permite o diálogo a distância, em tempo real. Além do que, esse tipo de comunicação tem como característica o fato de combinar duas das principais propriedades da linguagem oral e da linguagem escrita, respectivamente: a "presença" do interlocutor e a possibilidade de "voltar ao texto" para pensar sobre o conteúdo da mensagem. Por todas essas razões, o uso da Internet é, cada vez mais, um recurso na formação dos educadores que a ela têm acesso. Dentre todas as possibilidades oferecidas pela Rede, o que aqui está ilustrada é a comunicação por e-mail, que permite devolutivas rápidas para dúvidas, relatórios, solicitações… A facilidade para responder questões, para fazer circular textos e para copiar materiais, aliada à rapidez com que se faz chegar a informação ao destinatário é uma contribuição importantíssima para o intercâmbio entre formadores dos mais diferentes lugares – a equação "maior rapidez e facilidade ao menor custo" é especialmente sedutora e tem feito muitos adeptos.
A seguir, algumas mensagens que mostram como esse tipo de comunicação, embora não substitua a relação interpessoal direta, cria possibilidades interessantes de relacionamento profissional.
Cara companheira,
Agora vou lhe dizer algumas coisas sobre o que observei no grupo coordenado por você e sobre o seu relatório – algumas já ditas anteriormente.
No próximo Encontro devo reorganizar o tempo, elegendo menos atividades para cada um dos módulos e priorizando as questões essenciais para os formadores.
Em primeiro lugar, gostaria de saber se você conseguiu cumprir esse desafio a que havia se proposto para o "próximo Encontro". E também como se saiu no encaminhamento das discussões mais específicas sobre a intervenção pedagógica destinada a favorecer a alfabetização dos alunos. Coloque isso em seu relatório, que é importante.
Isso é de um grau de espontaneísmo tão grande que me assusta, sem contar que revela total desconhecimento de como um conhecimento específico se constrói e qual a relação que existe entre esse conhecimento e os outros, já construídos ou em construção pelo sujeito.Guardadas as devidas singularidades, isso é mais ou menos o mesmo (como eu já disse algumas vezes) que achar que o sujeito aprende tabuada por estar imerso em um contexto de uso freqüente da matemática.
Por que estou dizendo tudo isso? Porque acho que a maior contribuição que podemos oferecer aos formadores nos Encontros é um modelo de formação de fato problematizador (não teórico/expositivo) e um conhecimento maior sobre como se aprende e se ensina a ler e escrever. Do contrário, os índices de analfabetismo escolar não vão baixar de forma alguma: em alguns lugares, o fracasso escolar na alfabetização, da 1a para a 2a série, é superior a 60%.
Voltando às minhas opiniões sobre como você conduziu o trabalho, nos momentos em que pude observá-la.
Como eu lhe disse (e não sei se isso ocorreu por falta de familiaridade sua com o trabalho ou por característica pessoal – parece-me que pelas duas razões), percebi que você não conseguiu hierarquizar os conteúdos a serem trabalhados: deu um tratamento "democrático" a todos eles. A intenção é boa, mas o resultado é a eterna sensação de tempo escasso. Infelizmente, nem tudo pode ser tratado com igual cuidado: há conteúdos que são mais relevantes e deverão ocupar mais o nosso tempo, justificam mais a nossa fala prolongada a respeito deles. Nós temos, no Encontro, uma limitação que é a quantidade real de horas disponíveis: a hierarquização é imprescindível.
Há questões pelas quais apenas "passaremos" e pouco ficará sobre elas, infelizmente.
Como você mesmo avaliou, também achei que você deu muita aula – todos nós temos essa tendência e o desafio é saber quando dar aulas (pois os conteúdos mais relevantes exigem isso) e quando não dar. E, mesmo quando for o caso, a grande virtude será dar aulas dialogadas, e não expositivas.
Se conseguirmos essa maravilha, eis que, de fato, estaremos oferecendo um excelente modelo de formador aos formadores. Porque, na verdade, o que precisamos ter em mente o tempo todo é que, diferentemente de quando damos um curso (em que a finalidade é comunicar certos conteúdos), o que fazemos no Encontro é um convite a que nos tomem como modelo de referência (comunicamos conteúdos, e a forma como os tratamos também é conteúdo da formação dos formadores).Tudo o que fizermos de consonante verdadeiramente com uma metodologia de formação baseada na resolução de problemas é uma contribuição de fato para a formação dos formadores e para a superação do modelo tradicional.
Mas isso é somente a prática que vai nos ajudar, se estivermos atentos e empenhados em transformar verdadeiramente nossa tendência a dar aulas nos grupos de formação, nossa tendência a ser professores dos professores.
Todos nós temos essa tarefa na equipe: planejamos coletivamente atividades problematizadoras, mas (igualzinho ao professor que dispõe de uma porção de "atividades interessantes") é a intervenção durante a atividade que vai provar o quão construtivistas somos nós.
Por fim, ainda sobre minhas observações:
• Você leu lindamente para os professores.Valorizo muito isso porque, em geral, professor quando lê para adulto age igualzinho à criança, o que você não faz, mesmo quando lê literatura infantil. Essa capacidade de adequar a leitura ao interlocutor é fundamental. Além do mais, você tem uma voz agradável, que não enjoa.
• Penso que, dependendo do caso, você precisa ter um certo cuidado com a referência a escritores que são parcialmente ou totalmente desconhecidos do grupo: em alguns momentos, senti que você falava de alguns autores com um excesso de familiaridade que, se as pessoas os desconhecem, pode ser meio desconcertante para elas. Penso que, talvez, a saída para quando você quiser citar um autor provavelmente desconhecido da
maioria seja algo do tipo:
"Vocês já tiveram oportunidade de ler algo do …? Pois então…". Esse tipo de entrada cria a possibilidade de a pessoa achar que é perfeitamente possível não conhecer aquele determinado autor, do contrário pode ficar se
achando ignorante.
A resposta:
Puxa, que carta linda! Acho que nunca havia recebido uma devolutiva tão atenciosa.Só posso agradecer pelo tempo dedicado e pelos apontamentos preciosos para ajustar a prática. Nada como estar perto de formadores modelares… Todos os apontamentos serão úteis para os próximos planejamentos, para ajustar minhas propostas e para aquecer e impulsionar minhas intervenções. Confesso que ainda estou um pouco assustada… porém esse sentimento tem fortalecido o desejo de me aprimorar,de caminhar no mesmo "compasso" de todos. Lembrar as intervenções sobre a atividade com estratégias de leitura e sobre o cuidado para não dar aulas foi certeiro, veio confirmar algumas preocupações que estou colocando na ordem do dia… Só posso agradecer e confirmar a satisfação de participar de uma equipe tão comprometida e acolhedora… me faz lembrar da poesia de João Cabral: "um galo sozinho não tece uma manhã". O próximo relatório está a caminho, com respostas para algumas das perguntas lançadas nesta devolutiva.
Tudo bem contigo? Tudo bem no último Encontro do Parâmetros em Ação?
O pessoal da equipe tem gostado muito de você.
A razão desta mensagem é a seguinte: além das reflexões que socializei com você da última vez que lhe escrevi, achei que seria importante que você lesse alguns textos que aprofundam o conteúdo sobre o qual temos conversado – o papel dos projetos na organização do trabalho pedagógico.
Esses textos seguem em arquivo anexado e penso que serão muito úteis para o estudo de sua equipe. Se quiser, depois podemos conversar mais a respeito novamente.
O que eu aprendi principalmente com a Délia Lerner e com a prática da escola em que eu trabalhei durante vários anos é que nem tudo pode ser tratado como projeto: há conteúdos, especialmente de Língua Portuguesa e de Matemática, que não "cabem" nessa modalidade e que poderiam ficar "de fora" da programação, se a tentativa for utilizar apenas os projetos como organizadores dos conteúdos escolares (e são conteúdos relevantes para o desenvolvimento das capacidades que estão definidas como objetivos nas áreas de conhecimento).
Como/para que, por exemplo, fazer um projeto para trabalhar especificamente com atividades de compreensão do sistema alfabético e de aprendizagem das regularidades ortográficas? A melhor forma de trabalhar esses conteúdos é por meio de atividades permanentes ou seqüências de atividades. Já a aprendizagem de outros conteúdos, só será mais significativa se o trabalho ocorrer por meio de projetos…
Beijos
A ampliação do universo de conhecimentos
É preciso que todos aprendam a valorizar o conhecimento e os bens culturais e a ter acesso a eles autonomamente; a selecionar o que é relevante, investigar, questionar e pesquisar; a construir hipóteses, compreender, raciocinar logicamente; a comparar, estabelecer relações, inferir e generalizar; a adquirir confiança na própria capacidade de pensar e encontrar soluções. É preciso que todos aprendam a relativizar, confrontar e respeitar diferentes pontos de vista, discutir divergências, exercitar o pensamento crítico e reflexivo.
É preciso que aprendam a ler criticamente diferentes tipos de texto, utilizar diferentes recursos tecnológicos, expressar-se em várias linguagens, opinar, enfrentar desafios, criar, agir de forma autônoma. E que aprendam a diferenciar o espaço público do espaço privado, ser solidários, conviver com a diversidade, repudiar qualquer tipo de discriminação e injustiça… Esse conjunto de aprendizagens representa, na verdade, um desdobramento de capacidades que todo cidadão – criança, jovem ou adulto – tem direito de desenvolver ao
longo da vida, com a mediação e ajuda da escola.
Referenciais para a Formação de Professores, MEC/1998
Embora a reflexão sobre a prática seja também uma forma de ampliação do universo de conhecimentos, trataremos agora dessa questão, considerando duas possibilidades de elevação da cultura geral dos educadores: o estudo e a participação em certos tipos de atividade que favorecem a aquisição de conhecimento por meio da experiência vivida – que são condição para enriquecer o repertório de saberes úteis ao exercício do trabalho educativo e, também, direito e dever de todo profissional da educação.
Os Referenciais para a Formação de Professores (MEC/1998), quando tratam dessa questão como conteúdo da formação, no que se refere especialmente à ampliação do universo cultural, afirmam que "Além Formadoras conhecem a cultura local de direito dos cidadãos, essa é hoje uma exigência colocada para a maioria dos profissionais. No caso dos professores, uma cultura geral ampla é básica para um trabalho interessante, criativo, enriquecedor e, por isso, sua formação deve lhes garantir esse direito. Isso implica proporcionar aos professores vivências que vão muito além da programação formal de conteúdos e que se desenvolvem por meio de leituras, discussões informais, troca de opiniões, debates sobre temas atuais, apresentação do resultado de estudos e pesquisas, visita a museus e exposições, participação em movimentos sociais e em atividades comunitárias e tantas outras formas de manifestação cultural e profissional. Como aqui é entendida, a ampliação do universo cultural inclui, portanto, um amplo espectro de temáticas: desde o contato com as diferentes produções da cultura popular e erudita e da cultura de massas até a atualização em relação ao que acontece no país e no mundo e a participação em movimentos sociais. São relevantes, ainda, na formação dos professores o tratamento de temas relacionados mais propriamente ao sistema educacional e à atuação profissional, pois possibilitam uma análise da escola como instituição – sua organização, relações internas e externas, gestão e projeto educativo – e da função do professor no contexto do sistema educacional e social. O professor é, por assim dizer, o porta-voz da educação escolar. Sua formação profissional, portanto, deve ser também um espaço de reflexão sobre os princípios educativos que dão sustentação às práticas escolares e sobre os necessários compromissos que deve assumir em decorrência de sua função. Esse tipo de reflexão dá sentido à ação de educar e ajuda a estruturar um pensar analítico sobre a educação, além de favorecer a tomada de decisões em relação ao currículo: concepções de base, objetivos, conteúdos, metodologias, formas de avaliação, recursos didáticos…"
Tudo o que aqui está indicado como conteúdo da formação dos professores é, evidentemente, conteúdo da formação dos formadores de professores, não apenas porque são também professores, mas porque lhes cabe parte da responsabilidade de proporcionar espaços de ampliação do universo de conhecimentos daqueles cuja formação está sob sua responsabilidade.
Nesse sentido, a formação do formador depende também da possibilidade de participar de atividades como as descritas anteriormente.
Neste item temos apenas um depoimento. Ele trata de um aspecto da questão do acesso ao conhecimento que não pode de forma alguma ser esquecido: a garantia de condições institucionais pela Secretaria da Educação para que os educadores de fato tenham acesso aos recursos e experiências que permitem ampliar a sua cultura geral e o seu repertório de saberes profissionais. Iniciativas como a que é relatada – de criação de espaços que contam com bibliotecas, atividades culturais, salas de convivência e momentos de estudo – felizmente vem sendo cada vez mais valorizadas e várias Secretarias de Educação têm tomado essa proposta de fato como uma prioridade.
A Oficina Pedagógica é um departamento da Secretaria Municipal da Educação que existe desde 1991, para dinamizar a formação dos educadores. Numa casa alugada pela Prefeitura, no centro da cidade – para facilitar o acesso de todos – possui, entre outros espaços, uma ampla sala de reuniões e uma biblioteca.
A idéia de criar a oficina surgiu da necessidade de se dispor de um recurso para organização e fundamentação das experiências pedagógicas da rede municipal, de ampliação do universo cultural dos educadores e de intercâmbio sobre suas opiniões, dúvidas, conquistas, ansiedades e descobertas.
Fazem parte da programação da oficina atividades de formação profissional e atividades culturais: reuniões pedagógicas mensais, grupos de estudos, reuniões de planejamento do trabalho pedagógico, atendimento individual aos professores, reuniões semanais com diretores, palestras, "viagens culturais" e sessões de cinema. Há também encontros entre educadores de outras redes da região divulgar trabalhos e estabelecer intercâmbio de experiência entre os municípios.
A biblioteca da oficina conta com aproximadamente 5 mil volumes de diferentes gêneros (inclusive literatura infantil e infanto-juvenil) e vários jogos, fitas de vídeo, fitas cassete, revistas e apostilas. Conserva também um material da maior importância para a rede: são encadernações de produções dos alunos, selecionadas por área do conhecimento e por faixa etária, que cumprem com uma dupla finalidade – divulgar o que eles produzem e as propostas didáticas utilizadas por seus professores. Essa é uma forma de socializar o conhecimento pedagógico construído pelos educadores da rede, que tem favorecido inclusive o conhecimento dos professores ingressantes sobre o trabalho que se realiza nas escolas.
O acervo da biblioteca é criteriosamente selecionado, pois sua finalidade é contribuir para a formação dos educadores, "alimentar" o seu trabalho e garantir a qualidade do que será lido e pesquisado pelos alunos: por essa razão, os materiais são emprestados conforme a necessidade.
O que mais me impressionou nestes nove anos, desde a criação da Oficina, foi como ela contribuiu para o estabelecimento de vínculos entre professores, diretores e coordenadores pedagógicos. Funciona como um espaço de divulgação e discussão importantíssimo para o avanço e a efetivação da proposta pedagógica da rede e que, por meio de suas ações a cada ano, contribui para a formação dos educadores. Orienta-se pelo princípio da articulação teoriaprática, oferecendo e valorizando, ao mesmo tempo, eventos de formação com
profissionais de ponta e situações regulares de produção e divulgação do conhecimento pedagógico produzido na rede. Além disso, tem uma programação cuja finalidade é a ampliação do universo cultural dos educadores, por meio das sessões de cinema e de "viagens culturais" – idas a cinemas, museus e teatros de outras cidades.
As oficina tornou-se um ponto de encontro de educadores!
As ações que têm lugar na Oficina vem favorecendo o desenvolvimento da autonomia profissional dos educadores, que progressivamente saem da condição de executores de atividades didáticas produzidas pelos outros para a condição de produtores de propostas adequadas e coerentes para suas salas de aula – pessoas que refletem, analisam e avaliam sua prática pedagógica. E quem ganha com isso, lá na ponta, são os alunos. A melhoria da formação do educador e da qualidade de ensino não é um sonho… basta investir, ser persistente e, principalmente, acreditar.