22 de abril de 2009

TEMPORALIDADE E FORMAÇÃO

Leia, dialogue com a apresentação e poste suas reflexões.

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Leitura


A leitura é um procedimento habitual e necessário nos trabalhos de formação,em qualquer abordagem, uma vez que é a forma clássica de ter acesso à informação contida nos textos escritos. Nos grupos de estudo de educadores, geralmente é o recurso mais utilizado, pois dela depende parte considerável do que se faz nesses casos. Ao mesmo tempo, uma das reclamações mais freqüentes dos formadores é que os educadores lêem pouco ou lêem menos do que se considera necessário.
Se é preciso que todo profissional da educação desenvolva não só o gosto e o compromisso com a leitura, mas também os procedimentos que o farão ler com maior desenvoltura e eficácia (para ele próprio e para os seus alunos), então as práticas de formação terão que incluir situações de leitura sedutoras e produtivas.
Embora ler silenciosamente, para conhecer o conteúdo dos textos teóricos, seja uma velha prática de formação, familiar aos educadores, o que vem ganhando muitos adeptos ultimamente é a Leitura Compartilhada de textos literários – realizada pelo formador para o grupo –, cujos resultados se pode verificar ou inferir pelos depoimentos comoventes que se seguem. O Programa Parâmetros em Ação priorizou e legitimou essa estratégia metodológica de formação de leitores, que, ao que tudo indica, está contribuindo decisivamente para a constituição de uma comunidade de educadores leitores neste país e transformando a crença de que é preciso ler sempre com alguma finalidade pedagógica, alguma finalidade que não seja apenas o que se ganha com a própria leitura.
Possivelmente, uma das razões dessa prática ter se revelado tão valiosa é o fato de, como identificou uma das formadoras do Parâmetros em Ação, ela funcionar como um "agrado" para os educadores.
A leitura sem compromisso com alguma tarefa pedagógica específica é mesmo um agrado, porque revela o cuidado do formador com o grupo: ele escolhe um texto que considera interessante, ensaia a leitura para poder realizá-la de forma sedutora e... sem compromisso com algum tipo de utilidade pedagógica, simplesmente lê para o grupo, nada mais. Lê para compartilhar e provocar emoções, apenas isso. Como se pode ver em muitos dos relatos abaixo, é o suficiente!
Mas nem só de Leitura Compartilhada se fazem as práticas de leitura nos grupos de formação. Há inúmeras estratégias que vêm sendo utilizadas para criar momentos significativos de leitura nos grupos, para desfazer alguns mitos em relação ao ato de ler, para seduzir os educadores com textos "irresistíveis", para convencê-los de que ler é apenas uma porta para um mundo infinito de conhecimentos a que todos têm direito... Algumas delas estão descritas nos depoimentos.
Participar do processo de formação de um professor significa, entre outras coisas, ajudá-lo a construir sua competência leitora. Este tem sido um focodo trabalho ao qual tenho me dedicado especialmente.
Sabemos o quanto é importante fazer indicações de livros ou textos para leitura, mas o fato é que isso, por si só, não é suficiente para melhorar a qualidade das leituras. Eu vinha tentando várias estratégias e, até então, não havia conseguido grandes sucessos... Em um dos encontros, surgiu a idéia de montar um clube de leitores entre as unidades de trabalho. Foi o que fizemos em seguida. Daí por diante, pude perceber significativas mudanças.
Refletindo sobre esse percurso, pude perceber que meu equívoco estava em colocar a leitura sempre como um fim, e não como meio para atingir um objetivo compartilhado. Hoje, a qualidade de leitura do grupo já é outra, e a mim cabe o desafio de construir outras propostas que a mantenham no seu devido lugar: de meio para alcançar algo, e não de fim em si mesma.
Débora Rana
Num dos grupos que coordenei, ouvi dos professores coisas muito interessantes sobre a leitura: "Às vezes, eu leio até na sala de aula, com os meninos falando alto e entendo tudo o que li"; "Na sala dos professores, a gente também lê, enquanto muitos colegas conversam na maior farra ao lado, nem ligam para o que a gente tá fazendo"; "No ônibus também se lê e nem por isso deixamos de entender o que estamos lendo, se eu for falar dos barulhos da rua".
Eu não conheço professor que leia em um ambiente totalmente silencioso.
Qual é o professor que tem uma biblioteca em casa ou uma sala de estudo?
Professor lê na sala, no quarto em qualquer lugar (isso quando lê), com televisão ligada, rádio; menino gritando, marido reclamando.
É preciso desmontar a idéia de que ler é algo diferente disso mesmo que é.
Do contrário, os professores vão achar sempre que não lêem.
José Dionísio
A leitura compartilhada é uma atividade que gosto muito, mas com o tempo fui percebendo que é undamental deixar claro, em algum momento, quais são os objetivos de o formador ler textos literários para o grupo – a sedução para a leitura e para a literatura e a ampliação do universo cultural dos educadores.
Do contrário, pode haver uma interpretação equivocada de que se trata simplesmente de uma dinâmica de grupo. Em vários lugares há uma concepção uito forte de que é preciso fazer dinâmicas de grupo de diferentes tipos nos trabalhos de formação e, como sabemos, a tendência das pessoas é assimilar a informação nova a partir dos seus próprios esquemas interpretativos.
Num dos grupos que coordenei, ao término dos trabalhos – depois de ter enfatizado várias vezes o significado, a natureza e a importância das estratégias metodológicas de formação – uma educadora disse-me que a "dinâmica" que ela mais havia gostado era a das leituras... Fiquei pensando que, além de tratar genericamente do que são essas estratégias, é preciso também dizer o que elas não são.
Rosa Maria Antunes de Barros
Tenho me esforçado para entender o que significa a "leitura" para os nossos ouvintes educadores e resolvi ler outro tipo de texto. Peguei um livro na estante das crianças – Contos de assombração. Li, então, no primeiro momento com o grupo, o conto "Maria Angula" e perguntei se tinham gostado.
Pela primeira vez, o grupo discutiu o prazer de ouvir e ler um texto, sem se importar em discutir seu onteúdo. Alguns educadores contaram suas práticas de ler histórias, as pequenas bibliotecas da classe, a biblioteca infantil da cidade etc.
A conclusão a que eu cheguei foi de que eu estava até então lendo textos com conteúdos, mensagens, sentidos que eram muito fortes; tão predominantes que encobriam a narrativa, as emoções, a surpresa, o medo... – o ouvir histórias.
Se a minha intenção é incentivar a leitura em sala de aula, e que esta leitura seja prazerosa, acredito agora que é preciso diversificar os textos que são lidos. Em algumas ocasiões é possível ler um texto com conteúdo histórico, cultural, filosófico ou moral; mas, é importante sempre ler os textos simplesmente porque são textos, porque são literários, porque são maneiras diferentes de representar a vida, o pensamento, os acontecimentos, as emoções…
No segundo dia, li um texto de Eduardo Galeano e, no terceiro, "A lenda do amor".
Antonia Terra
Ao longo do Encontro, a Renata questionava, nos intervalos, porque os educadores procuravam tanto um "sentido", um "objetivo", para as leituras.
Ela também estava lendo "O conto da ilha desconhecida".
Essa questão sempre foi um dos problemas identificados nas leituras e indagações que faço com os grupos de 5ª- a 8ª- série. A maioria tem dificuldade de aceitar uma leitura pelo simples prazer de ler e ouvir. Procura uma razão, uma função imediata, um valor que eu (a leitora) teria intenção de transmitir.
Ao contrário das outras turmas, eu não sabia por que razão o meu grupo dessa vez aceitou bem a idéia de ler por prazer e compreendeu a intenção. Cheguei a conferir, questionando todo dia, as razões pelas quais eu estava lendo para eles. E as respostas eram sempre bacanas: pelo prazer de ler, para formar leitores, para lermos para professores e alunos...
No final do Encontro, com a leitura do caderno volante, foi que descobri que meu encaminhamento tinha sido outro naquele grupo. O professor David registrou no caderno volante:
"Após a leitura, a professora Antonia perguntou: os professores lêem para os alunos? A resposta foi que alguns lêem. Então ela reforçou a idéia da leitura e afirmou que durante este encontro leremos uma obra completa de Saramago."
Geralmente, quando termino de ler o texto para os professores faço a seguinte pergunta: Por que vocês acham que eu li este texto para vocês? Mas, segundo o que pude conferir nos registros do Caderno Volante, desta vez eu havia mudado a questão. Afinal, será que a pergunta interfere tanto?
A conclusão a que cheguei é que pode mudar muita coisa. O questionamento que eu fazia antes dava margem para os professores ficarem procurando "sentidos" para eu ter escolhido aquela determinada leitura. O foco estava sobre a escolha do texto, por que aquele texto, e não sobre o ato de ler. Já a nova pergunta era direta e explicitava logo o assunto que eu queria tratar, ou seja, ler para os alunos.
Antonia Terra
Iniciei o segundo dia lendo o texto "A verdadeira história do Lobo Mau".
Percebi que não houve um grande envolvimento, como é habitual em outros grupos, e então não resisti – perguntei o que tinham achado da leitura. Logo alguns participantes declararam não ter entendido a escolha do texto, já que não estava relacionada a nenhuma proposta de atividade. Essa observação provocou reação fervorosa de alguns educadores, gerando uma grande discussão sobre o papel da leitura na nossa vida e no âmbito escolar.
Houve muita reflexão em torno da concepção de leitura de muitos educadores, geralmente conseqüência de sua própria experiência escolar. Acabaram concluindo que é muito prazeroso ouvir a leitura do outro e que assim se amplia o repertório de cada um. Todos consideraram a leitura compartilhada com o grupo uma excelente estratégia de formação e combinaram também trazer textos que apreciavam para ler durante o encontro.
Deane Rodrigues
Para receber o grupo nesse dia, muito mobilizado com as "novidades" que lhes eram apresentadas, a leitura de "O medo do novo", de Fanny Abramovich, veio a calhar. Todos ouviram atentamente. Aliás, vale a pena registrar que as leituras diárias, feitas pelo formador, assim como o registro do trabalho no Caderno Volante, têm para a composição do grupo e para a formação dos educadores um lugar de destaque entre todas as estratégias metodológicas propostas para o Encontro do Parâmetros em Ação. Os participantes comentaram o fato de eu ler os textos como algo de que gosto. Isso, segundo eles, dá um tom de real significado às leituras. Por meio delas, eles podem recuperar – e, em alguns casos, começar a desenvolver – o gosto pela leitura, assim como, em função do trabalho proposto com o caderno de registro, reconhecer-se
como bons escritores, especialmente quando é feita a leitura do que escrevem.
Nesse grupo, propus pensarmos nessa situação – textos lidos com um real significado – para a relação formador-professores e professor-alunos. Os textos que eu li foram expostos num mural, assim como alguns livros que eu trouxe para permitir um contato posterior e mais íntimo com eles. Nos intervalos do trabalho, sempre havia muita gente lendo, copiando bibliografia ou trechos dos textos.
Lília Campos Carvalho Rezende
Para refletir sobre a importância da leitura na escola, tenho proposto algumas questões aos grupos de formação:
• O que a atividade de leitura em voz alta ensina?
• O que são textos interessantes?
• Quais são os critérios para escolher bons livros?
• Professor modelo de leitor: o que isso significa?
• Quando está ensinando os alunos a ler, o professor organiza mais situações escolarizadas – artificiais – de leitura ou situações de uso social da leitura?
• É possível formar alunos leitores antes de estarem alfabetizados? Como?
• É possível formar alunos escritores antes de escreverem convencionalmente?
• Vamos procurar como se chama essa prática de formação de leitores e escritores nos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa (letramento)?
Em geral, costumam "cair muitas fichas" a partir da vivência de leitura em voz alta que realizo e da reflexão proposta sobre a leitura na escola. E o que sempre costumo fazer é uma continha que é mais ou menos assim:
Se 5 professores do grupo, (normalmente composto de 40), que têm em média 30 alunos, começarem a ler bons livros para os seus alunos e fizerem isso durante 200 dias, serão 150 crianças tendo esse privilégio. Se fizer essa conta pensando em cada Encontro do Parâmetros em Ação que tive com professores do Brasil inteiro, minhas contas – posso concluir – são muito animadoras!
Eliane Mingues
“Quem sabe qual o escritor de língua portuguesa a ganhar o prêmio Nobel de Literatura?" Com essa pergunta, dou início à atividade que culminará com a leitura compartilhada do "Conto da ilha desconhecida", de Saramago.
Antes, porém, costumo propor a leitura de dois textos que ajudam a contextualizar a obra e o autor: a biografia de José Saramago e o artigo "Nossa Língua Premiada", de Fernando Bonassi.
Em seguida, faço a leitura em voz alta do 1º e do 2º capítulos do livro e os participantes do grupo acompanham a leitura do conto – entrego a eles uma cópia do texto, publicado numa revista de circulação nacional.
Quando lemos para um grupo de educadores, não é necessário que eles acompanhem no texto escrito, o que importa é a "leitura escutada". Mas nesse caso, entrego a eles o texto, para que observem alguns aspectos importantes: como o autor pontua, como marca os discursos direto e indireto, que expressões típicas utiliza.
Depois da leitura, proponho uma discussão inicial sobre o papel do modelo de leitor na formação de novos leitores, em torno de questões do seguinte tipo:
• Quando leriam esse autor se eu não o apresentasse?
• Que achariam da pontuação que ele utiliza, fora de uma situação de leitura como esta?
• Por que será que escolhi este escritor e não outro?
Dessa forma, tem sido possível discutir o papel da escola na ampliação de repertório dos alunos e o papel do professor que pode – e deve – ajudar seus alunos que, sozinhos, ainda não teriam condições de ler um romance, um escritor ou um gênero desconhecido... Falamos nesse momento da formação de leitores e do papel fundamental da escola.
Eliane Mingues
Lemos "O conto da ilha desconhecida", de Saramago, e todos adoraram.
Ficaram com a cópia que a Eliane Mingues me forneceu, que eu ia entregando uma folha a cada dia. O suspense e a curiosidade envolveu a turma. Procurei, também, questionar as hipóteses sobre o que iria acontecer na história e retomar o que já havia sido lido nos dias anteriores. Nesse levantamento, os professores demonstraram entender bastante de "finais felizes". Alguns disseram: "a ilha desconhecida é a mulher da limpeza... está perto dele e ele não a vê...". Esse tipo de antecipação nunca tinha acontecido. Em outros grupos não se deu importância à mulher da limpeza até o autor construir a relação dos dois na história.
Antonia Terra
A Leitura Compartilhada, a meu ver, foi o procedimento de maior impacto para as educadoras deste grupo. Enquanto eu lia "Felicidade Clandestina", de Clarice Lispector, por exemplo, uma participante começou a chorar e relatou ter vivido um fato idêntico. Resolvi então, nesse momento, romper com uma dificuldade minha também que era colocar os "meus" livros para que elas pudessem manipulá-los. E fui além: "emprestei" para que uma delas ensaiasse uma leitura para o grupo no dia seguinte. Foi muito bom vê-la lendo o meu livro e mantendo-o em seu poder durante o resto do dia, lendo a cada intervalo e me dizendo que adoraria lê-lo até o fim (esse prazer eu devo a Heloísa Dantas, que fez a sugestão e me garantiu que ler no livro era mais interessante que ler na cópia xerox). Relacionei essa atividade com as possibilidades de trabalho em sala de aula e todos os impactos que isso traz para a relação dos alunos com a leitura. Em várias avaliações, tanto orais quanto escritas, essa experiência com a leitura foi mencionada e acho que isso merece destaque neste relatório pelo efeito que produz nas pessoas.
Márcia Gianvechio
Tenho observado, que as situações em que lemos para os educadores são para eles surpreendentes. Isso aconteceu em todos os segmentos que já atuei no Parâmetros em Ação – EJA, 1ª- a 4ª- e 5ª- a 8ª- série. Dessa vez, eu havia escolhido o texto "O Cristo da Bahia", de Lígia Fagundes Telles. Todos estavam atentos e olhavam surpresos para mim. Após a leitura, falei um pouco sobre a autora, sobre a minha admiração por ela, sobre como me identificava com algumas "daquelas memórias" e, por fim, contei das horas que eu tive que ficar no aeroporto, aguardando para prosseguir viagem até ali, e que fui passar o tempo numa livraria, onde comprei aquele livro. A leitura e a conversa tiveram grande impacto no grupo.
Aproveitei a ocasião e pedi que eles lessem suas próprias memórias.
Fui então duplamente surpreendida. Primeiro, porque os educadores realmente leram seus textos – na maioria das vezes eles falam sobre o que escreveram e nem olham para o papel. E, segundo, porque quando eu disse que gostaria de receber as escritas deles, todos entregaram, sem a "velha preocupação" de levar para passar a limpo. Esse trabalho com a leitura foi o que mais encantou o grupo. No terceiro dia, trouxeram vários livros – alguns de autores locais – e leram para os demais. No último dia, uma professora disse que nunca tinha comprado um livro (só lia livros didáticos, e só para fazer plano de aula), mas que ia mudar de atitude, estava ansiosa para fazer outras leituras. Outra colocou que nunca ninguém tinha lido para ela e que não pensava que ouvir alguém lendo pudesse ser algo tão gostoso e até divertido. Afinal, parece que "o ponto alto" foram mesmo as leituras feitas para o grupo, o que ficou visível quando distribuí alguns livros de literatura infantil para que conhecessem: vários educadores anotaram os títulos, chegando alguns a me perguntar se aqueles livros eram muito caros. A semente fora lançada e espero que renda muitos frutos. Para eles próprios e para os seus alunos.
Carolina Cândido
Gosto do ato de semear: jogar sementes em diferentes tipos de solo e observar o que acontece... As sementes germinarão ou não? Alguém logo responderá: depende do solo ou da semente... Pode ser até as duas coisas, mas eu, particularmente, acrescento uma terceira: o semeador. Estou cada vez mais convencida que a grande ação do Parâmetros em Ação é semear leituras no coração dos educadores brasileiros. Quando digo "no coração", é porque não basta "fazer leituras" para eles, é preciso seduzi-los para o prazer de ler.
Afinal, para se tornar verdadeiramente leitor é preciso gostar de ler – e infelizmente a escola não tem seduzido os alunos para a leitura, não seduziu a muitos de nós, professores.
Com toda certeza, não atingi alguns objetivos dos Parâmetros em Ação neste último Encontro, porém, o mais significativo de todos foi alcançado: os educadores ficaram sensibilizados para as leituras. Por que tenho tanta certeza?
Pelas falas deles: "Há mais de dez anos sou professora e nunca comprei um livro para ler. Vou mudar essa minha história: daqui pra frente vou ler um livro a cada mês.", "Professora, você veio nos alfabetizar, eu nunca li assim –nem para mim e nem para meus alunos – estou me alfabetizando em leituras a partir de agora." Lembrei-me imediatamente de Rubem Alves, quando, citando Mário Quintana, nos diz "...analfabeto é precisamente aquele que, sabendo ler, não lê". E na avaliação escrita dos trabalhos encontrei um trecho
assim "Senti vontade de ler cada vez mais, e esse era um hábito que até então não havia desabrochado dentro de mim...". Uma semente começou a germinar...
Formar formadores não é tarefa fácil, mas poderia se tornar mais leve e mais alegre se todos tivessem prazer em ler. Talvez o Programa Parâmetros em Ação contribua para os professores buscarem leituras e para que possam encontrar pistas, como no poema que o professor Claudionor me ofereceu no segundo dia do Encontro: "É um prazer imenso achar na leitura a pista para a paz que procuro tanto".
Carolina Cândido
É senso comum a idéia de que é preciso ler. De que a leitura é fundamental na vida de todos, de alunos, dos professores, dos formadores...
No entanto o que sabemos é que a formação de leitores, em muitos casos, está muito longe de ser uma realidade. Na escola, de modo geral, estão registradas muito mais experiências negativas com a leitura do que positivas. Todos têm histórias traumáticas, tristes, constrangedoras, com as lembranças do que lhes aconteceu quando eram alunos.
De onde então partir para a concretização desse objetivo, ou seja, a formação de leitores na escola? Fala-se em ler em voz alta para os alunos, ler livros em capítulos, ler histórias que sozinhos eles não conseguiriam faze-lo, ler compartilhadamente. Mas como parar de falar, deixar de apenas discursar sobre essa importância e agir e começar a experimentar essas situações para poder transpô-las para o trabalho na escola com os alunos?
Já há algum tempo tenho realizado nos Encontros com professores "oficinas", para as quais levo os livros e as histórias que mais aprecio, para compartilhar com eles boas experiências com a leitura. Experiências que, de modo geral, estão completamente adormecidas. Há algum tempo deixaram de ler e os contos selecionadas os têm feito ficar com vontade de voltar a descobrir o mundo através de viagens que os livros nos proporcionam. Isso permite discutir também o trabalho que se pode fazer em classe com os alunos... Falamos dos rituais, da iniciação nesse mundo tão cheio de surpresa, e que possibilita tanta ampliação do conhecimento de mundo – falar de outros mundos, outros assuntos e outros lugares tem sido uma situação privilegiada para discutir e experimentar a formação de leitores de verdade e a nossa contribuição nessa conquista dos alunos.
Eliane Mingues
Retomei a proposta de fazer a Leitura Compartilhada de vários tipos de texto em vários momentos do trabalho e consegui ressignificar essa atividade com o grupo. Quando propus que identificassem as estratégias metodológicas utilizadas durante o trabalho, apareceu, em destaque, a Leitura Compartilhada.
Coloquei os educadores para pensar sobre qual seria o meu objetivo, como coordenadora, ao ler para eles: seriam os mesmos objetivos de se ler para os alunos?
Saíram várias respostas: descontrair, passar o tempo, pois estamos adiantados no desenvolvimento da pauta, pensar sobre a mensagem do texto para a nossa atuação profissional... Nada relacionado à formação e ao que com ela se pretende.
Indaguei ao grupo quanto ao perfil que queremos dos professores – queremos que sejam usuários da escrita e leitores, não é? Sendo assim, é preciso repensarmos nosso papel enquanto formadores, para favorecer ou não a conquista desse objetivo. Reclamar que os professores não têm esse perfil é fácil, mas o que nós, enquanto formadores, podemos fazer? Devemos ajudá-los a desenvolver essas competências – de leitura e escrita? Como? Que estratégias podemos utilizar?
Daí veio a conclusão: é fundamental, sim, contribuir para que os professores se desenvolvam como leitores e escritores e uma das possibilidades é ler para eles, entusiasmá-los com a leitura e para a leitura. Para isso, teremos que estar – também nós, formadores – entusiasmados com a leitura.
Roberta Panico
Tenho feito um varal de poesias nos Encontros do Parâmetros em Ação.
Inicialmente, distribuo vários poemas (que serão apreciados, muitos lidos em voz alta) e depois vou montando um varal numa área de bastante circulação dos participantes do evento, para que todos possam ler os textos selecionados (tenho uma foto linda no meu Caderno de Registro de um grupo lendo o varal na hora do intervalo). Em destaque, coloco um pequeno cartaz com o texto a seguir.
Eliane Mingues
VARAIS SÃO UMA INVENÇÃO MUITO ANTIGA DA HUMANIDADE. FORAM CRIADOS PARA EXPOR MELHOR À LUZ E AO CALOR DO SOL AS COISAS QUE PRECISAM DELES PARA QUE NÃO MOFEM, APODREÇAM OU PERCAM QUALIDADE. ESTE VARAL POÉTICO SERVE PARA A MESMA COISA. EXPÕE PRODUTOS DO ESFORÇO POÉTICO DE CONSAGRADOS AUTORES À LUZ DA SENSIBILIDADE E AO CALOR HUMANO DAS PESSOAS QUE POR AQUI PASSAREM OS OLHOS... ESTA LUZ E ESTE CALOR NÃO IRÃO ALTERAR OS POEMAS AQUI EXPOSTOS, MAS REPERCUTIRÃO NA ALMA DE QUEM OS FRUIR. PESSOA, NÃO PASSE SEM ILUMINAR COM SUA PRESENÇA ESTA EXPOSIÇÃO.

Montei o varal literário na sala, o que despertou grande interesse dos educadores em anotar bibliografias e xerocar os textos. Essa estratégia, somada à Leitura Compartilhada, de fato tem contribuído com o interesse pela leitura e com a ampliação do repertório literário.
Roberta Panico
Ler ou não ler, eis a questão...*
Leia o texto abaixo e procure descobrir do que ele trata
PROPENSÃO AOS RESFRIADOS, DORES DE CABEÇA, DEBILIDADE OCULAR, CALORES, GOTA, ARTRITE, HEMORRÓIDAS, ASMA, APOPLEXIA, DOENÇAS PULMONARES, INDIGESTÃO, OCLUSÃO INTESTINAL, TRANSTORNOS NERVOSOS, ENXAQUECAS, EPILEPSIA, HIPOCONDRIA E MELANCOLIA.
Já descobriu? Ainda não? Tente mais uma vez…
A resposta está na nota de rodapé, no final da página...24
A maioria de nós, educadores, tem dificuldade com a leitura, especialmente se nossa formação como leitores foi única e exclusivamente delegada à escola.
Quem não teve chance de conviver com leitores verdadeiros desde muito cedo, em geral, não pôde, desenvolver o prazer de ler. São inúmeros os exemplos de bons leitores que contam, com saudade, dos momentos em que alguém em sua casa, ou seu vizinho, ou ainda seus avós tinham o hábito – aliás, mais do que o hábito –, a necessidade de ler.Não parece trata-se de uma simples coincidência...
Durante muito tempo, vários de nós imaginamos que jamais poderíamos nos constituir como leitores, afinal, como dizem, "é de pequeno que se torce o pepino". Portanto, como nossas famílias, por inúmeras razões, nem sempre puderam contribuir nesse sentido – e a escola menos ainda, pois nossa experiência de leitura como alunos esteve sempre voltada para fazer resumos, provas, responder questionários... – não haveria mesmo muita alternativa além de nos conformarmos com essa "fatalidade".
Existem ainda várias outras razões que provavelmente contribuíram para não gostarmos de ler e, entre elas, há uma a ser destacada: por muitos anos a escola acreditou que o domínio da decodificação habilitaria a pessoa a ler qualquer tipo de texto, possibilitaria o amor aos livros e teria o poder de fazer bons leitores. Mas não é bem isso que aconteceu com a maioria de nós,educadores, e com a maioria dos alunos.
O início da transformação da prática de muitos de nós deu-se pela incorporação, no trabalho pedagógico, da leitura freqüente na sala de aula – afinal, nossos capacitadores nos diziam que, para os alunos aprenderem a ler e escrever, era fundamental que tivessem acesso a bons textos. Ler diariamente não parecia ser nada muito complicado... E começamos então a ler para eles.
Mas, infelizmente, as coisas não são tão simples como parecem à primeira vista; o que acabamos fazendo foi transpor a nossa própria experiência escolar de leitura para a nossa prática docente...
O que fazíamos? A princípio, líamos textos curtos e fáceis e depois os clássicos da literatura infantil – fazendo, a cada palavra difícil, a imediata tradução (afinal, se os alunos não entendessem cada uma das palavras não compreenderiam os textos!). Quando começamos a perceber que não é necessário garantir o entendimento de cada fragmento do texto para que o leitor possa compreendê-lo, passamos a não mais "traduzi-lo"... Mas não pense você, leitor, que os nossos problemas estavam resolvidos: havia ainda outros tantos...
Os alunos já liam e ouviam a leitura de bons textos, mas só isso era muito pouco: queríamos ajudá-los ainda mais!. Então, como não podíamos mais solicitar que resumissem e respondessem questionários – afinal, agora éramos modernas! –, criamos uma variação (com praticamente os mesmos efeitos), acreditando piamente que havíamos de fato mudado nossa concepção de ensino e aprendizagem, pelo menos no que diz respeito à leitura. Agora, líamos e solicitávamos aos alunos que dramatizassem, desenhassem, reescrevessem as histórias – o que parecia ser bem diferente...
Demorou algum tempo até compreendermos que o discurso havia mudado, mas a crença ainda não. Que a questão, na verdade, é muito simples, é criar um contexto de leitura na escola à imagem e semelhança das práticas sociais de leitura fora da escola. Que basta observar como a leitura acontece na vida para poder criar uma versão escolar parecida. E que é muito difícil para um não-leitor formar bons leitores, pois não é fácil convencer alguém daquilo que não estamos convencidos.
Superar essa prática levou algum tempo: foi preciso muita reflexão e ajuda de outros parceiros para entendermos que formar leitores é uma tarefa que depende de empenho, planejamento, dedicação e conhecimento sobre as questões da leitura. Já havíamos avançado muito, mas ainda estava faltando "aquele toque de veracidade". As contribuições da professora e pesquisadora Délia Lerner foram importantes para avançarmos nesse sentido. Fomos aprendendo que é fundamental, entre tantas outras coisas, comunicar "comportamento leitor", isto é, aqueles procedimentos típicos de um verdadeiro leitor: comentar com as pessoas o que se leu ou se está lendo, expressar o que pensou ou sentiu ao ler, comparar o tratamento da informação em diferentes fontes, comentar as prováveis intenções do autor, relacionar o conteúdo dos textos à realidade vivida e a outros textos, recomendar leituras, interessar-se pelos autores, comparar textos, autores, abordagens...
"No fundo, o dever de educar consiste em, enquanto ensinamos as crianças a ler, enquanto as iniciamos na Literatura, proporcionar-lhes os meios para que julguem livremente se sentem ou não ‘a necessidade dos livros’.
Porque, se podemos admitir perfeitamente que alguém despreze a leitura, é intolerável que seja – ou que acredite ser – desprezado por ela. Ser excluído dos livros – inclusive daqueles que se pode prescindir – é uma tristeza imensa, uma solidão dentro da solidão".25
Agora, além do trabalho na sala de aula, também desenvolvíamos projetos como formadoras de outros educadores. Começávamos a ter claro que se era fundamental que os professores lessem para os seus alunos – em todas as séries – era importante também nós lermos para eles.
Esse momento marcou nossa experiência com a leitura: passamos a nos relacionar com outros formadores, leitores vorazes de literatura, e então foi possível dar um passo importantíssimo, porque fomos contaminadas irremediavelmente pelo convívio com leitores plenos.
“Saibas que, uma vez envolvido pela leitura, seu pobre filho não se deterá diante de nenhuma má ação: se atreverá a pensar por si mesmo, desobedecerá os farsantes embora usem uma roupa até os pés, tentará descobrir as causas do mundo físico e social que nos cerca, em lugar de repetir as orações usuais e talvez até chegue a se convencer de que um bom comerciante ou um bom tecelão são pessoas mais úteis para seus semelhantes que um rufião de sobrenome ilustre ou um general de cavalaria. Daí a blasfemar contra a imprescindível tortura ou até mesmo pedir a abolição do Santo Ofício é só um passo. 26
Passamos então a ler, em todos os encontros de educadores, diferentes gêneros literários, com a finalidade de divertir, refletir, comover, aprender mais, contribuir de alguma forma para a ampliação do horizonte cultural de todos... Ou pelo simples prazer de ler para eles uma boa história... Isso levou muitos educadores a descobrir um mundo novo, inclusive o da literatura infantil, ao qual muitas vezes não tiveram acesso quando crianças e que agora, contaminados pela leitura, estão oferecendo a seus alunos. Estão descobrindo que ler e ouvir a leitura de bons textos é algo que não tem hora nem idade e que isso tem que fazer parte da nossa vida. A leitura vem se tornando uma necessidade básica para muitos educadores e essa conquista pode mudar a qualidade de vida, pode ser a chave para abrir novos mundos e novas possibilidades. "Quem lê tem muitos milhares de
olhos: todos os olhos daqueles que escreveram. Quem não lê é cego, só vê o que os olhos vêem."27
Para terminar, gostaríamos de, parafraseando o escritor Frank Smith28compartilhar dez maneiras de dificultar a aprendizagem do prazer de ler por parte dos educadores.
25Extraído de Daniel Pennac, Como um romance, Editora Rocco.
26Dissertação irônica de Voltaire sobre "os perigos da leitura" em resposta à condessa de Montoro, que pedia conselho ao enciclopedista indicações de leituras que deveria recomendar a seu filho.
27Rubem Alves, Concertos de leitura, Edições Loyola.
28Frank Smith, Leitura significativa, Editora Artes Médicas. Capítulo 11, "O papel do professor".
Maneiras fáceis de tornar difícil o gosto pela leitura nos grupos de formação
1.Acreditar que o leitor já nasce pronto, pois a capacidade e o gosto pela leitura é uma espécie de dom, com o qual poucos foram agraciados.
2. Ler sempre textos relacionados ao conteúdo desenvolvido no trabalho de formação para aproveitar bem o tempo.
3. Ler só quando a pauta de trabalho não está muito "carregada" ou quando os educadores já estão muito cansados, ou quando sobrou tempo no fim do período.
4. Ler sempre textos que tenham um ensinamento útil, moral, ou de auto-ajuda.
5. Ler de improviso, sem se preparar com antecedência: abrir o livro numa página qualquer e começar imediatamente a leitura.
6. Ler para adultos como se estivesse lendo tolamente para crianças, com ênfases infantilizadas.
7. Omitir as razões pelas quais escolheu o texto, não comentá-lo de início, não falar nada sobre o autor... para não desperdiçar o precioso tempo do trabalho de formação.
8. Ler textos literários sem entusiasmo, da mesma forma que se lê uma bula de remédio, uma receita ou um manual de instrução.
9. Esperar que todos entendam o texto da mesma forma.
10. Ler como alguém que está sob severa dieta alimentar e não como o estivador que encara o P.F.29 na hora do almoço.

Fonte: MEC. Ministério da Educação. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores - PROFA. Guia de Orientações Metodológicas Gerais. 2001. p. 114 a 124.